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quarta-feira, junho 19, 2013

Nuno Júdice

Lembro-me agora que tenho de marcar um encontro contigo, num sítio em que
ambos nos possamos falar, de facto, sem que nenhuma das ocorrências da vida
venha interferir no que temos para nos dizer. Muitas vezes me lembrei de que
esse sítio podia ser, até
, um lugar sem nada de especial, como um canto de
café, em frente de um espelho que poderia servir de pretexto para reflectir
a alma, a impressão da tarde, o último estertor do dia antes de nos
despedirmos, quando é preciso encontrar uma fórmula que disfarce o que,
afinal, não conseguimos dizer. É que o amor nem sempre é uma palavra de
uso,aquela que permite a passagem à comunicação ; mais exacta de dois seres,
a não ser que nos fale, de súbito, o sentido da despedida, e que cada um de
nós leve, consigo, o outro, deixando atrás de si o próprio ser, como se uma
troca de almas fosse possível neste mundo. Então, é natural que voltes atrás
e me peças: «Vem comigo!», e devo dizer-te que muitas vezes pensei em fazer
isso mesmo, mas era tarde, isto é, a porta tinha-se fechado até outro dia,
que é aquele que acaba por nunca chegar, e então as palavras caem no vazio,
como se nunca tivessem sido pensadas. No entanto, ao escrever-te para marcar
um encontro contigo, sei que é irremediável o que temos para dizer um ao
outro: a confissão mais exacta, que é também a mais absurda, de um
sentimento; e, por trás disso, a certeza de que o mundo há-de ser outro no
dia seguinte, como se o amor, de facto, pudesse mudar as cores do céu, do
mar, da terra, e do próprio dia em que nos vamos encontrar, que há-de ser um
dia azul, de verão, em que o vento poderá soprar do norte, como se fosse daí
que viessem, nesta altura, as coisas mais precisas, que são as nossas: o
verde das folhas e o amarelo das pétalas, o vermelho do sol e o branco dos
muros. 


 in "Poesia Reunida

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