As portas do portão
abriram-se de par em par. Um casa antiga magnífica aparecia de frente. À esquerda, outras duas casas, que em tempos idos tinham sido outra coisa, convidavam-me a entrar. Os jardins de agora foram as cavalariças de outrora e a vista para o lago, essa, mantinha-se como desde a construção daquela propriedade, naquele terreno. Numa parte do jardim podia ver-se uma biblioteca óasis
que funcionava como um SPA de meditação lisível.
Comecei por ser recebida com um largo sorriso, imprescindível para que tudo se iniciasse com o coração.
Depois, ao mesmo tempo que um Porto
me ia adocicando os lábios, uma mesa ao ar livre numa área de 800 m de comprimento e dez de largura ( quanto baste ), esperava-me para provar, como entrada, umas pataniscas à moda brasileira.
Num ambiente descontraído, como se desejava, passei à área do jardim destinada às flores e às árvores de fruto.
1500 m2 chegaram para se entrar no paraíso
!
Logo à entrada, apareciam umas flores
amarelas magníficas, cujo nome não me lembro, agora.
Quem me conhece sabe que aquilo que digo sai sempre do coração. Mas as pessoas em causa nada sabiam de mim...
Assim que entrei (relembro que as flores se destacavam logo nos primeiros passos da entrada), disse:
- Lindíssimas!!! São lindíssimas!
Há uma verdade intrínseca ao falar-se com o coração e quem o tem também o sente. E quando há sintonia, aquilo que se ouve tem um impacto gigantesco. Ecoa numa multiplicidade de vibrações.
Passámos às flores, plantas e árvores de fruto seguintes. Elas eram dálias, gipsofila, alfaces, nogueiras, entre muitas outras. Também havia muitas plantas para fazer chás maravilhosos. A uma dada altura, cruzámo-nos com uma groselheira da qual a senhora tira um galhinho, dizendo:
- Pode comer à vontade, não têm qualquer produto químico
.
Assim fiz. Eram celestiais!
Eu estava perfeitamente encantada, mas sei que para muitos, ainda nada se tinha passado.
De seguida, toda a área verdejante com vista para o lago, que me esperava, era de cortar a respiração
.
Um paraíso no meio da cidade, como se me tivesse afastado quilómetros da região. No entanto, não. Saí do trabalho e andei apenas umas paragens de autocarro. A prova comprovada de que os refúgios existem quando há bom gosto e savoir faire.
O jantar estava desejoso que nos sentássemos. Fizemos-lhe a vontade. Pontaria das pontarias, um dos meus pratos favoritos: costeletas de borrego com batatinhas ali da terra e legumes.
Divinal!
O prazer da comunicação ia alternando com o prazer da degustação. A acompanhar, uma reserva de 2003, Los Condes. Palavras para quê, tratava-se de um bom vinho tinto espanhol.
Curiosamente, nunca bebo água à refeição, mas da forma como a pergunta foi formulada, rapidamente respondi sim.
- Quer água das pedras (o que na prática significa, água com gás) ? É Perrier.
Devo dizer que se há águas com gás que eu adoro, é a Perrier. Como é que pode haver quem diga que são todas iguais...(?).
Adelante.
Durante o jantar, em conversa, fiz referência à minha idade. O casal respondeu que ambos eram de 1964. E ficámos por ali...
A alface fresquinha ia desintoxicando o fígado, embora todo o ambiente envolvente garantisse a cura.
Para sobremesa, um
fondant au chocolat.
.
Muito, muito bem confeccionado!
Para terminar, um chá digestivo
feito de plantas
raptadas no jardim.
Na hora da despedida e, após tão generosa recepção, preparava-me para agradecer o carinhoso e saudável acolhimento, quando fui convidada a seguir a matriarca da família.
Sem nada dizer, dirigiu-se às flores
amarelas, àquelas que se encontravam a uns passos da entrada, e cortou uma, duas, três...várias. Fez um arranjo lindíssimo, colocando uma verdura pelo meio e deu-mo da forma mais natural e linda que possa existir, apenas acrescentando:
- Duram muito...
Ao mesmo tempo, o marido trazia duas alfaces perfeitas que pareciam ter sido tiradas de uma obra de arte de preço inestimável.
Enquanto isto, o chá ainda não tinha sido completamente bebido. Ao passar pelo jardim, de chávena na mão, mais uma folha de chá foi retirada da planta que nos provocou à passagem e colocada directamente na chávena para que o sabor se mantivesse jovial.
Claro está que parte desse cheiro e sabor foi-me oferecido, materializado numa mão cheia de chá que foi posta nas minhas mãos como quem nos dá a mão. Puro amor.
E ainda de dia, embora já fossem 22h30, convencida de que havia limites para tudo, coloquei a minha mala à tiracolo para ir para casa, quando a senhora me disse:
- Ainda não viu a casa. Vamos lá a cima.
Depois da casa ter sido apresentada, na última divisão, esperava-me uma prenda. Imagine-se!
O que realmente me impressiona é a sedução da arte de bem receber que é apanágio de uma minoria. E, então, bem receber com amor é, indubitavelmente, uma raridade. Nada deixaria supor que, lá em cima, eu não veria só a casa, mas que iria, também, ser presenteada. Aliás, mais uma vez.
A minha prenda desceu comigo. As flores num ramo imenso esperavam impacientes para fazer a sua primeira viagem fora de portas. Num outro saco, duas obras primas: as alfaces.
A senhora lembrava-se do quanto eu tinha gostado das pataniscas e enquanto acomodava umas quantas que me deliciariam mais tarde, o marido desceu as escadas:
- Sei que gostou do vinho. Tem aqui outra igual.
À despedida, no beijo final, as últimas palavras foram:
Vamos repetir...
Tenha que idade tiver, O AMOR surpreender-me-á SEMPRE!
Em casa, tenho três jarras com flores amarelas que todos os dias me sorriem.
São exactamente 50.